Modificação de Voto Após a Proclamação do Resultado Final do Julgamento e Importância da Presença dos Advogados à Sessão.

  • No texto anterior tratou-se da possibilidade de modificação da proclamação final do resultado na hipótese de ela não espelhar, fielmente, o  panorama da sessão de julgamento. Estabeleceu-se que:
    • até a publicação do acórdão, poderá o Relator denunciar a ocorrência do equívoco e vindicar a retificação da ata;
    • depois de publicada a decisão, às partes será possível pleitear a correção mediante simples petição ou embargos de declaração (CPC. art. 535,I), remanescendo ainda, ao Tribunal, a possibilidade de agir de ofício (CPC. art. 463,I).

 

Cuidar-se-á, agora, da possibilidade de o julgador modificar o seu voto após a proclamação final do resultado.

 

Conquanto ambas as hipóteses impliquem em modificação da ata, na primeira objetiva-se torná-la fiel ao passado, retratando-se precisamente o que se deu na sessão; na segunda o que se tenciona é “modificar o passado” mesmo, dado desejar o julgador “retificar” o voto após a proclamação final.

 

A Posição da Doutrina e da Jurisprudência Majoritárias: Impossibilidade de Modificação Após a Proclamação do Resultado Final.

 Araken de Assis - Manual dos Recursos

“Na doutrina brasileira, a ponderação dos interesses formulou um ‘princípio assente’: os votos podem ser alterados até a proclamação do resultado final pelo presidente da sessão. É também a orientação da jurisprudência, reputando irretratável o voto proferido e, em razão, dele, adquirido o direito a interpor embargos infringentes, in verbis: ‘É defeso ao magistrado proceder, de ofício, a retratação de voto depois de anunciado o resultado do julgamento pelo presidente do órgão judicante. Por isso, o próprio tribunal de origem, ao decidir embargos de declaração, reconheceu não haver sido unânime a decisão da apelação. Logo, comportáveis os embargos infringentes’.

 

Por conseguinte, a proclamação do resultado ‘final’ constitui a derradeira ocasião para a mudança do ponto de vista. Ao invés, os resultados  parciais não obstam a alteração.”

Araken de Assis, Manual dos Recursos, RT.

 

 

 

Precedente do STF Admitindo a Alteração de Voto Depois da Proclamação, desde que ela ocorra na mesma sessão.

 

Na jurisprudência, já admitiu o STF, na Adin de nº. 903, por maioria, a possibilidade, limitando a oportunidade de “retificação de voto” à mesma sessão em que haja sido proferido. Confira-se, no precedente, a discussão acerca da matéria. Da manifestação do eminente Ministro Moreira Alves, colhe-se:

 

Em 19.6.69, com relação ao MS n. 18.167-DF, houve grande discussão no Plenário, porque o Ministro Luiz Gallotti levou questão de ordem para, no dia seguinte ao que emitira seu voto, mas antes da publicação da ata, retificá-lo, porque meditara a respeito e concluíra que havia errado. Travou-se, então, o debate, pois o Ministro Djaci Falcão sustentou que essa retificação não seria possível, por não se tratar propriamente de retificação de ata, e acentuou que lhe parecia inviável a alteração de voto após o encerramento da sessão em que foi proclamado o resultado. O Ministro Eloy da Rocha votou no sentido de só se admitirem retificações até o final da sessão, como já havia ocorrido anteriormente. O Ministro Thompson Flores acompanhou o Ministro Eloy da Rocha, o mesmo ocorrendo com o Ministro Amaral Santos. Já o Ministro Themístocles Cavalcanti acompanhou o entendimento do Ministro Luiz Gallotti, dizendo que conhecia precedentes de retificação na mesma sessão ou na seguinte. No mesmo sentido o voto do Ministro Barros Monteiro. Por fim, o Ministro Adalício Nogueira, embora dizendo que pelo seu entendimento só seria possível a retificação até o final da sessão, acentuou que se rendia, pelo menos nesse caso, aos precedentes invocados pelo Ministro Luiz Gallotti; e o Ministro Oswaldo Trigueiro acolheu a preliminar do Ministro Djaci Falcão. Daí, ter a maioria julgado incabível a retificação, não quando feita até o final da sessão, mas depois dela, embora antes da publicação da ata do julgamento.

Dos votos acima relembrados, verifica-se que, já havia, nesta Corte, antes de 1969, a praxe de se admitir a retificação de voto antes de encerrada a sessão, e essa praxe permaneceu tranqüila.

 

A crítica de Barbosa Moreira ao Precedente

 

Dedicou Barbosa Moreira à análise do precedente em questão célebre trabalho, de que se transcreve:

 

“Alega-se que a deliberação em foco tem precedentes. Também os há, note-se, em sentido contrário; isso, contudo, não é o essencial. Por enquanto, permanece estranha ao ordenamento pátrio a eficácia vinculativa dos julgados, sem exclusão dos proferidos pela Corte Suprema. De direito, um precedente, mesmo incluído em Súmula, tem para qualquer juiz a autoridade que lhe conferir a força persuasiva dos respectivos fundamentos: nem mais, nem menos. E convenhamos: há precedentes que não merecem outro destino que o de serem jogados em bloco, amarrados à mais pesada pedra que se consiga arranjar, ao fundo do lago de Brasília”.

 

(Obs. O texto foi publicado em 2000, e a superveniência do instituto da “súmula vinculante” altera parcialmente a correção do que nele se afirma; não, porém, a respeito do tema, que permanece fora do alcance das decisões de eficácia vinculativa, agora existentes em nosso ordenamento.)

 

Livro. Temas de Direito Processual Civil. Sétima Série. José Carlos Barbosa Moreira.

Se formos ao ordenamento processual em vigor, encontraremos com facilidade normas que apontam em sentido diametralmente oposto à decisão do Supremo Tribunal Federal. Reza o art. 556 do Código de Processo Civil: ‘Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor’. Se aí não se proíbe expressis verbis a posterior modificação de voto, com certeza é o que se depreende do texto, olhado em seu conjunto. A inexistência de cláusula expressa acha explicação provável no fato de haver-se reputado ocioso dizer com todas as letras o que se afigurava óbvio. Realmente, que utilidade terá a proclamação do resultado pelo presidente, se o panorama ainda é suscetível de alterar-se até o fim da sessão? Devemos entender que se cuida de uma ‘proclamação provisória’ e de um ‘resultado idem’? É entendimento que a meu ver não se compadece com a seriedade – quase ia escrevendo solenidade – do ato. Caso a retificação superveniente venha a inverter o desfecho da votação, ficará sem efeito a designação do redator do acórdão? Já poderá tê-lo apresentado o relator da causa ou do recurso, se houver prevalecido seu pronunciamento, frequente como o é nos tribunais o uso, muito prático, de trazer para a sessão, à guisa de voto, um projeto de acórdão, datilografado ou editado por meio de computador, ao qual se acrescentará apenas, sem dificuldade alguma, o registro de peculiaridades como a de ter sido tomada a decisão por unanimidade ou por simples maioria. A seguir-se a orientação do Supremo Tribunal Federal, há de dar-se, na hipótese considerada, todo esse dito por não dito?

 

Parece inútil ir adiante. A proibição de retificações de voto após a proclamação do resultado, permito-me observar, antes que decorrência de qualquer texto legal específico, é imposição de princípios básicos e, afinal de contas, do puro e simples bom senso. Nem ‘excepcionalmente’ se deve admitir outra coisa; de resto, como se traçariam as linhas delimitadoras dessa excepcionalidade? Em substância, a qualificação de uma espécie de ‘excepcional’, mencionada como requisito no acórdão, mas deixada à inteira discrição do próprio colégio judicante, nenhuma restrição palpável estabelece à abertura.

 

Julgamento colegiado não é competição desportiva em que, num ‘segundo tempo’, fique o resultado sujeito a modificar-se, quiçá a inverter-se.

 

Julgamento Colegiado – Modificação de Voto Após a Proclamação do Resultado?, in Temas de Direito Processual, Sétima Série, Saraiva, 2001.

 

Observação sobre a força persuasiva do precedente.

 

Como a existência de precedentes admitindo a prática determinou o voto de vários Ministros (consulte-se a decisão antes indicada), será talvez conveniente dedicar a isso algumas breves considerações.

 

Para repelir ou acolher a possibilidade de modificação de voto após a proclamação do resultado com base no

argumento de que a jurisprudência a consagraria desde tempos imemoriais, seria necessário (mas não, é óbvio, suficiente) considerar, também,  as vicissitudes históricas que a determinaram, e estabelecer se deveria subsistir a ratio que a autorizava[2]. Ignorar tal providência agrava o risco de homenagear e perpetuar uma prática que tudo aconselharia antes a esconjurar. O problema, aliás, foi assim formulado por Voltaire:

 

“Haverá coisa mais respeitável que um antigo abuso?”[3]

 

 

Modificação de Resultado "Travestida" de Simples Retificação de Ata e Importância de Acompanhamento da Sessão de Julgamento.

 

Situação que talvez não poucos conheçam é a de que a modificação do resultado se dê (inclusive involuntariamente) sob o disfarce de simples retificação de ata. Quem haja testemunhado a sessão é surpreendido com a publicação de desfecho distinto daquele que viu ser proclamado, e quem não tenha comparecido à Corte sequer se dá conta do substancial acontecimento.  Nas palavras de Araken de Assis:

 

“Nem sempre, todavia, os princípios são obedecidos, na delicada fronteira entre a ilegal modificação do voto e a permitida retificação do resultado, e essa amiúde viabiliza a retratação dos votos proferidos. O problema resiste a qualquer solução mais satisfatória. E as retificações se sucedem, numerosas  e incontidas, nos termos descritos.”

 

José Hipólito Xavier da Silva, ex-presidente da OAB/PR, relata as providências cuja adoção postulou para conjurar o risco:

 

Na época, na condição de presidente da OAB/PR, fiz intensa campanha, e a faço ainda hoje, para que as salas de todas as sessões, em especial do 2º grau, recepcionem o mesmo sistema [de gravação de audiências]  (o que acabaria com as conhecidas papeletas que resumem os votos do colegiado, cujo risco todos conhecemos), a fim de que fiquem registrados todos os votos e, por óbvio, seus fundamentos. Tem havido, entretanto, forte resistência. É pena."

 

Também por isso é importante o comparecimento dos procuradores das partes à sessão de julgamento. De outro modo, não poderão aquilatar, ora sequer se houve eventual alteração, ora se ela consiste em simples retificação de ata ou substancial modificação de voto. E, à luz do mencionado precedente do STF, recomenda-se que permaneçam no recinto não apenas durante o julgamento da causa sob seu patrocínio, mas até o encerramento definitivo da assentada.


[1] Vide, na obra, farta indicação doutrinária.


[2] Sobre a ‘falsa’ modificação de atas e sobre a alteração deliberada de resultados consulte-se Leda Boechat Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal, vol. I. Quem se disponha a descortinar o véu do tempo encontrará razões bem menos nobres do que as mencionadas nos precedentes mais recentes a justificar a prática.


[3] Zadig ou o Destino.

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Modificação de Voto Após a Proclamação do Resultado Final do Julgamento e Importância da Presença dos Advogados à Sessão.
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