No julgamento da ADPF 46 (sobre o “monopólio” dos Correios), deparou-se o STF - por haver o falecido Ministro Menezes Direito se declarado suspeito - com a hipótese de empate na votação, insuscetível de resolução pelo critério de aferição do “voto médio”.
Até que fosse debelado o impasse, mediante sucessivos escrutínios do voto do Ministro Carlos Ayres Britto ( cujo exato sentido nem por isso restou devidamente apurado, ao menos aos olhos de quem escreve a presente mensagem), enquadrado por fim na corrente da improcedência, teve a Corte a ocasião de:
explicitar, ante o veto dos dispositivos que regeriam a matéria, o quórum de votação da ADPF;
contemplar as consequências do eventual empate;
1) Quórum de Votação da ADPF: Maioria Absoluta.
1.1) A Lacuna Normativa Decorrente do Veto do §1º do Art. 8º da Lei 9882/1999.
Decorre, o problema do quórum, do veto ao texto do §1º do art. 8º da lei 9.882, que estatuía a necessidade da adesão de 2/3 dos Ministros para que fosse julgada procedente ou improcedente a ADPF. Motivou a censura presidencial o fato de o número de votantes exigido pela norma ser superior ao requerido em se tratando de ADI e ADC, regulamentadas pela lei 9.868/1999. Confira-se, na tabela abaixo, as respectivas disciplinas:
E as razões do veto:
O § 1º do art. 8º exige, para o exame da argüição de descumprimento de preceito fundamental, quórum superior inclusive àquele necessário para o exame do mérito de ação direta de inconstitucionalidade. Tal disposição constituirá, portanto, restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e a eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. A isso, acrescente-se a consideração de que o escopo fundamental do projeto de lei sob exame reside em ampliar a eficácia e o alcance do sistema de controle de constitucionalidade, o que certamente resta frustrado diante do excessivo quórum exigido pelo dispositivo ora vetado. A fidelidade à Constituição Federal impõe o veto da disposição por interesse público, resguardando-se, ainda uma vez, a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal e a presteza nas suas decisões.
1.2) Fundamentos para a Adoção da Maioria Absoluta como Requisito de (Im)procedência da ADPF.
Às normas já indicadas na tabela acima, acrescentou o Ministro Cézar Peluso o art. 97 da CF, que a seu ver também justificaria a necessidade de quórum qualificado para o julgamento da ADPF. Eis os destaques das Sessões:
Ministro Gilmar Mendes. Trecho do Vídeo.
Os parágrafos [da lei 9882/99] foram vetados, o que talvez dispusesse sobre os critérios de aferição [do resultado]. Nós não temos, portanto, regra.
A tradição, em relação à inconstitucionalidade, tem sido sempre de 6 votos no sentido da procedência ou da improcedência.
Ministro Cézar Peluso. Trecho do Vídeo.
(…) de fato há uma situação de empate da qual, Senhor Presidente, não vejo como, nas circunstâncias, nas características do caso, encontrar-se a solução do voto médio.
O que me parece, Senhor Presidente, é que se pode aplicar diretamente ao caso o art. 97 da Constituição Federal porque - não obstante, com base naquele conhecido acórdão, aquele velho precedente do Tribunal em que se discutia se, em relação ao direito chamado pré-constitucional, a incompatibilidade com a Constituição superveniente se resolvia em termos de categoria de inconstitucionalidade ou se se resolvia em termos kelsenianos de não recepção pela nova ordem constitucional – o fato é que, substancialmente, o fenômeno jurídico é de incompatibilidade teórica da norma com a Constituição, ainda que esta seja superveniente.
De modo, Senhor Presidente, que a mim me parece, com o devido respeito, que para que fosse reconhecida essa incompatibilidade a título de não recepção, e de revogação por conseguinte, ou a título de inconstitucionalidade sic et simpliciter, não poderia ser reconhecida a procedência da ação à falta do quórum qualificado exigido pelo art. 97 da Constituição; ou seja, não há maioria absoluta para a pronúncia de um juízo de incompatibilidade entre a lei e a Constituição vigente.
Ministro Carlos Ayres Britto. Trecho do Vídeo.
O art. 5º da lei da ADPF (lei nº 9882/1999) também exige o quórum qualificado, da maioria absoluta. O raciocínio me parece simples: se, para suspender a eficácia da norma, é preciso um quórum qualificado, para cassar em definitivo a eficácia da norma com mais razão [será necessário tal quórum].
2) Possíveis Consequências do Empate
Até que houvesse sido dirimida a questão por sucessivas aferições que acarretaram o reenquadramento do voto do Ministro Ayres Britto, cogitou o Tribunal de dois cenários para o caso de subsistência do empate:
2.1) Subsistência da Norma Impugnada e Inexistência de Efeito Vinculante da Decisão do STF.
Acaso prevalecesse a tese do Ministro Cézar Peluso, acima reproduzida, de que a inexistência de maioria absoluta importaria na manutenção da norma impugnada em nosso direito positivo, averbou o Ministro Gilmar Mendes que tal decisão não seria dotada de efeito vinculante, precisamente porque não atingido o quórum legalmente previsto para a emissão de juízo definitivo quanto ao mérito da ação. Confira-se:
Ministro Gilmar Mendes. Trecho do Vídeo.
A questão que se coloca, e eu também participo dessas preocupações, é a de que na tradição do controle abstrato de normas – e, de alguma forma, nós estamos também nessa sede, embora seja um controle do direito pré-constitucional – modelo que já vinha se exercendo na forma do regimento interno do Supremo Tribunal Federal, sempre se exigiu, no controle abstrato, a afirmação da constitucionalidade, ou da inconstitucionalidade, por 6 (seis) votos, modelo que hoje está incorporado na lei nº 9.868/1999 no que concerne, portanto, à ADIn e à ADC. Claro que daí resulta que o julgamento de procedência ou de improcedência com este quórum é dotado de efeito vinculante, e isso tem uma razão de ser no sistema brasileiro (…).
Entre nós, até em nome da segurança jurídica, se recomenda que o Supremo Tribunal Federal defina com clareza a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. Do contrário, não havendo efeito vinculante, continuarão as pelejas, as discussões, porque vai se afirmar sempre que o STF não definiu a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade. Daí porque, inclusive, o Tribunal avançou nessa matéria mesmo antes do advento da Constituição de 1988, entendendo que aqui a causa petendi é aberta: quando o Tribunal julgava improcedente [a ação], julgava-a improcedente em relação a todas as arguições. Foi toda uma construção em razão dessa peculiaridade do modelo brasileiro, e de certa forma isso se transpõe para o âmbito da ADPF, de modo que, se nós encaminharmos [a proclamação] no sentido agora manifestado pelo Ministro Peluso, teremos também que averbar que esta decisão não será dotada de efeito vinculante.
2.2) Prevalência da Corrente a que Houver Aderido o Presidente do STF.
Engendrou o Ministro Marco Aurélio solução a partir de adminículos colhidos RISTF. O regimento da Corte prevê situação em que o empate possa ocorrer, qual seja a de Mandado de Segurança contra ato do Presidente, que força a Casa a deliberar com 10 integrantes. Reza o art. 205, parágrafo único, inciso II, que prevalecerá, nessa hipótese, o ato impugnado.
Ministro Marco Aurélio. Trecho do Vídeo.
Nós não temos previsão na Carta da República quanto a quórum referente a resultado, isso no tocante à ação direta de inconstitucionalidade e à declaratória de constitucionalidade. O preceito alude à decisão definitiva.
O que se verifica no caso concreto: se verifica um impasse, porque se reclama, realmente, um pronunciamento do Tribunal – neste ou naquele sentido – e não se chega, com os votos tomados, a esse mesmo pronunciamento.
O afastamento de integrantes do Tribunal, por impedimento ou suspeição, revela excepcionalidade maior. Chegamos mesmo ao ponto de dizer que no processo objetivo, em que não se tem interesses individualizados em jogo, não há campo para chegar-se ao afastamento do integrante do Tribunal. Mas, o Ministro Menezes Direito assentou suspeição, e passamos a ter um quórum de 10 (dez) integrantes, viabilizado, portanto, o descompasso, e o descompasso desaguando em um empate.
O que nos vem, Presidente, do regimento interno: nos vem uma situação concreta em que necessariamente o Tribunal atua com 10 (dez) integrantes. Refiro-me ao mandado de segurança contra ato do próprio Tribunal - em que o Presidente, aquele que esteja na Presidência, não participa do julgamento - e aí se previu a solução: a manutenção, em si, do ato impugnado, dando-se ênfase, portanto, ao ato que foi praticado pelo Presidente do Tribunal.
Indaga-se: no caso concreto não é possível chegar-se a interpretação analógica integrativa desse preceito, para concluir-se pela prevalência da corrente a que aderiu o Presidente da Corte? A meu ver, é a única solução possível, a não ser que permaneçamos como se estivéssemos em um conclave para a eleição do Papa e passemos a votar reiteradamente até que um dos colegas evolua, aderindo à corrente à qual não se filiou de início.
E se formos, Presidente, à lei 9868/99, nós vamos ver que, no tocante à Adin – e podemos observar o preceito quanto à ADPF – há uma disposição que implicitamente admite não alcançada por uma das correntes os 6 (seis) votos. Refiro-me ao art. 23.
Precisamos encontrar uma solução. A meu ver, não há espaço, como que para a coluna do meio, para dizer-se, simplesmente, que não se terá, no caso concreto, jurisdição, porque não foi alcançada a maioria que enseja o implemento dessa mesma jurisdição.
Eu não vejo outra saída, senão considerarmos a norma regimental alusiva ao Mandado de Segurança para ter-se como prevalecente a corrente a que aderiu o Presidente, e é nesse sentido que me pronuncio.
Tendo sido solvida a questão com base em outro expediente, já descrito acima, o que se registrou a propósito do eventual empate tem apenas natureza de obiter dictum, mas permite vislumbrar o encaminhamento que a Corte dará ao problema, se e quando tiver de, inescapavelmente, enfrentá-lo.
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